17 de janeiro de 2016

Liberdade de expressão X solidariedade

Defendo sempre a liberdade de expressão, que vale para os dois lados.

Foto: Reprodução Twitter/ Sunny Hundal, baixado do G1
Janeiro de 2015: a redação do jornal satírico Charlie Hebdo é atacado por supostos fanáticos religiosos, resultando em 12 mortos e 5 feridos, após ter publicado uma charge envolvendo o profeta Maomé (artigo do Wikipédia). O caso teve repercussão mundial.

Setembro de 2015: encontrado o corpo de Aylan Kurdi numa praia Turca, um menino de 3 anos que se afogou quando o barco em que estava naufragou. Sua família tinha fugido da Síria devido aos ataques do Estado Islâmico e estava tentando chegar à Grécia (artigo do Wikipédia). A foto do corpo sem vida do pequeno Aylan na praia causou grande comoção mundial.

Janeiro de 2016 (um ciclo se fecha): um cartunista do Charlie Hebdo publica uma charge insinuando que, se o Aylan tivesse sobrevivido e crescido, teria se tornado um molestador que gosta de apalpar nádegas femininas. Seria uma alusão às agressões sexuais que ocorreram na Alemanha durante o ano novo, país que recebeu um número grande de refugiados sírios. A maior parte das denúncias seriam contra os refugiados (notícia do G1).

Como eu afirmei no início, defendo a liberdade de expressão. O cartunista do referido humorístico tem todo o direito de fazer graça do que quer que seja. Porém terá que aguentar as consequências, em especial as críticas que irão recair sobre esta charge. Um ano atrás, quando houve o massacre na redação do Charlie Hebdo, minha posição era de lamentar muito o incidente, pois não consigo aceitar que qualquer manifestação de opinião ou sátira seja respondida com assassinato. Isto não tira a responsabilidade da publicação por atacar uma religião alheia, cuja resposta dever-se-ia dar na forma de criticas, protestos ou disputas no judiciário; jamais com violência e mortes. Na época houve o movimento "Je suis Chalie" (Eu sou Charlie) em solidariedade às vítimas, mas eu não conseguiria dizer tal frase. Pareceria estar assinando em baixo das sátiras grosseiras contra o Islamismo.

Portanto agora, que fez uma sátira de extremo mau gosto, Charlie Hebdo deve receber o que é merecido: críticas e repúdio. Li no Wikipédia que esta publicação é de esquerda, com posição antirreligiosa. Tudo bem, perfeito, cada publicação tem sua linha editorial que é uma posição política. Mas não consigo entender como ser de esquerda e fazer apologia à xenofobia, como é o caso da charge do Aylan. Não posso comentar com propriedade sobre os incidentes na Alemanha por não ter conhecimento suficiente, mas posso supor que o fato das denúncias serem majoritariamente contra os refugiados pode ter uma parcela de xenofobia. Além disso fica uma mensagem implícita que foi melhor que o garoto sírio tenha falecido. Somente uma mente perturbada, com forte convicções xenofóbicas e islamofóbicas poderia achar graça numa charge dessas. Infelizmente deve haver psicóticos assim, que amaram isso.

Solidariedade ao Charlie quando teve sua redação atacada no massacre. Solidariedade ao Aylan que faleceu precocemente, num mundo extremamente injusto. Repúdio ao Charlie que, usando Aylan como mote, espalha ignorância, intolerância e xenofobia.

Parece que Charlie não se solidariza com o Aylan e sua família. Não tiro o direito de expressão dele; mas outras pessoas também podem exercer sua liberdade de expressão e execrar a charge. Como vivemos numa sociedade capitalista, a única coisa que posso desejar é que este jornal deixe de vender e feche suas portas.

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